Por:Julio Machado
Podcast
fev 2022
CLIQUE NO PLAY PARA OUVIR
Na semana passada começamos uma reflexão sobre a autoridade na relação pais e filhos. Diferenciamos a atitude autoritária, que chamamos de poder, daquela autoridade natural, conquistada através do amor que cultivamos na convivência diária. Com isso passamos a ser admirados por nossos filhos e mais respeitados nos nossos comandos.
Podemos também aqui diferenciar quando os filhos respeitam os seus pais ou quando eles temem seus pais. Respeito e medo seriam a mesma coisa? Alguns pais acham que para serem respeitados têm que impor a sua autoridade através da força e de ameaças. Nem precisamos dizer o tanto de desgaste que gera este tipo relacionamento. Neste caso, os pais são mais temidos do que respeitados.
Ao contrário, quando fazemos regularmente os depósitos na conta emocional dos nossos filhos, eles passam a nutrir por nós uma grande admiração e uma vontade de retribuir o que recebem de nós. A obediência e o respeito que nos devotam é uma maneira de demonstrarem a sua gratidão.
Vamos ilustrar isso através do exemplo de dois pais que chegam do serviço no fim da tarde e caminham para a sua casa.
Num primeiro caso já existe um filho na varanda para dar o alarme: o pai tá chegando!!! Como temem que o pai possa dar alguma bronca, logo correm para arrumar as coisas da casa que estejam fora de ordem, apagar um bocado de luzes e colocar os cadernos em cima da mesa para fingir que estão estudando. Não raro a mulher também corre para apressar o jantar a fim de evitar reclamações.
Entrando em casa vai logo dizendo:
– Quanta luz acesa nessa casa! Desse jeito vocês vão me quebrar.
Dirige-se para a filha e pergunta:
– Ajudou a mãe nos afazeres domésticos.
Para um outro pergunta se fez os deveres da escola e estudou para as provas no fim do mês:
– Não quero vagabundagem aqui em casa… tá pensando que o meu dinheiro é capim. No meu tempo eu não tinha essa folga que hoje vocês têm para ficar só por conta de estudo, portanto não admito essas notas vermelhas. Se perder média no próximo bimestre você vai se haver comigo.
Com cara de cansado e de quem trabalhou muito por hoje, senta no sofá em frente à TV. Tira a botina dos pés e para o primeiro que passa diante dos seus olhos ele ordena:
– Luizinho pega para mim o chinelo no armário
O Luizinho finge que não escutou e continua andando para o quintal o que provoca, desta vez, uma ordem num volume bem mais elevado.
– Luizinho, escutou o que eu te pedi?
Ele olha para o pai com cara de sonso e agora ouve o pai:
– Pega o meu chinelo no armário, rápido.
– Eu pai? Eu peguei ontem, manda o Beto pegar; tudo aqui em casa sou eu. Só eu que faço as coisas pro senhor?
–Sei lá quem pegou este chinelo ontem menino– e colocando a mão no cinto, ameaçando levantar para dar umas correadas, ele grita:
–Pega esse chinelo logo senão….
O menino sai correndo e a mãe vai junto para ajudá-lo a encontrar o chinelo o mais rápido possível a fim de não aumentar o mau humor do pai.
O garoto traz o chinelo, meio choramingando, sentindo-se injustiçado e no prejuízo.
Quando o filho lhe entrega o chinelo, sem lhe olhá-lo nos olhos, o pai emenda dizendo:
– Respeito é bom e eu gosto. Ah, no meu tempo se eu triscasse em desobedecer meu pai, numa hora dessas já estava com o lombo quente.
No nosso exemplo dos créditos e débitos bancários, o pai acabou de sacar na conta emocional do filho que está meio sem fundos e, portanto, entrou no cheque especial.
Num outro quarteirão, um outro pai, que trabalha na mesma empresa do sujeito do exemplo anterior, caminha em direção a sua casa quando avista seus três filhos brincando num monte e de areia no passeio. Dá um assovio e é logo reconhecido pelos filhos que correm em sua direção para abraçá-lo. Neste caso não tinha ninguém na varanda para dar o alarme de perigo à vista. O que se vê é uma demonstração de boas vindas ao pai. Este dá um abraço coletivo nos três e ao entrar em casa lembra aos filhos da combinação que fizeram pela manhã de que quando ele chegasse brincariam por meia hora de jogo da memória.
Depois de abraçar sua mulher, confere com os filhos algumas coisas que estão fora de ordem e pedem que as deixem arrumadas antes da brincadeira – o que é prontamente atendido. Depois de brincar com os filhos pelo tempo combinado, senta no sofá um pouco cansado e ao tirar suas botas exclama:
– Estes pés estão doidos para calçar uns chinelinhos!
Quando os filhos ouvem esta exclamação correm para o quarto do pai disputando quem terá o privilégio de levar o chinelo para o pai. Dois que chegam primeiro, para não brigarem, combinam de cada um levar um pé do chinelo.
Olhando nos olhos do pai, e sorrindo, lhe entregam o chinelo. Na nossa comparação o pai está sacando o crédito que já possui na conta bancária emocional dos filhos. Neste caso ninguém se sente no prejuízo.
E aí, papai ou mamãe, estão lembrados da última vez que os seus filhos disputaram quem lhe traria os chinelos?
Daqui pra frente quando percebermos uma resistência crescentes dos nossos filhos em nos obedecer, vale pensar que isso poderia ser um sintoma, um apelo silencioso deles para que façamos alguns depósitos na sua conta emocional antes de sacar.