Por:Julio Machado
Podcast
abr 2022
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Você se julga uma pessoa gentil? Será que alguém responderia que não é? Pois bem, vamos hoje refletir sobre o poder da gentileza, numa adaptação que fizemos de uma entrevista da escritora Rosana Braga.
O que é ser gentil? Mais do que um modo de agir a gentileza é um jeito de ser, uma maneira de enxergar o mundo. Ser gentil, portanto, é um atributo muito mais sutil e profundo do que ser uma pessoa educada ou de saber cumprir regras de etiqueta. Embora seja mais do que recomendável tratar os outros com educação, a gentileza não é uma característica relacionada apenas ao fato de termos um bom comportamento, mas sim com o modo como enxergamos o ser humano e o valor que lhe atribuímos. A gentileza surge então de um profundo respeito ao outro, independente de sua raça, sexo, credo ou condição social.
Você pode até ser educado com algumas pessoas e não ser com outras. Tudo bem. Mas quando se é verdadeiramente gentil é impossível não ser com todos. Não dá para ser gentil com uns e não ser gentil com outros, pois a gentileza é uma reverência que você oferece ao aspecto sagrado que habita dentro de cada pessoa, independente da capa de bom ou mal, de santo ou pecador.
Os hindus tem uma expressão que traduz perfeitamente o que estamos dizendo. Quando eles se cumprimentam, colocam as suas mãos postas na altura do peito e dizem NAMASTÊ, o que significa: O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você. Então somos gentis com o outro por reverenciar aquilo que nos irmana, aquilo que temos em comum com a outra pessoa… a nossa humanidade.
Causa uma certa tristeza constatar o quanto temos nos deixado sucumbir pelas ilusões da modernidade, o quanto temos nos perdido de nós mesmos e esquecido de nossa capacidade de agir com o coração e de valorizar aquilo que realmente nos faz sentir felizes e plenos. Pressionados por ideias equivocadas, que nos induzem a ter sempre mais, a cumprir prazos sem respeitarmos o nosso ritmo, a atingir metas que, muitas vezes, não fazem parte de nossa missão de vida e daquilo que acreditamos, nos tornamos mais e mais insensíveis. E nesta insensibilidade, vamos agindo e nos relacionando com as pessoas – inclusive aquelas que amamos – de forma menos gentil, mais apressada e mais automatizada, sem nem nos darmos conta disso.
É por isso que ser gentil não pode depender do outro, não pode ser uma moeda de troca, tem que ser uma escolha pessoal a partir da compreensão de que devemos fazer a nossa parte e contribuir para colocar um pouco mais de luz na escuridão do mundo. Leonardo Boff tem uma frase maravilhosa que resume bem o que queremos dizer: Não serão nossos gritos a fazer a diferença e sim a força contida em nossas mais delicadas e íntegras ações.
Ser gentil nada tem a ver com ser bobo e fazer o que os outros querem que a gente faça. Muito pelo contrário: quanto mais gentil somos com as pessoas, mais gentil somos também com a nossa verdade, com os nossos valores. Assim, dificilmente nos aviltaremos em nome de algo que não esteja de acordo com nosso coração. Pessoas que dizem sim para todo mundo estão, na realidade, reforçando uma imagem de ‘vítimas da vida’, de ‘coitadinhas’, de extremamente boas e injustiçadas. Isso não é ser gentil e demonstra mais uma dificuldade em lidar com sua própria carência do que com a força e o poder contidos na gentileza
Na gentileza de ser verdadeiros com os nossos relacionamentos precisamos aprender tanto a dizer sim como dizer não.
Muitas vezes, a gente associa a palavra não à raiva ou à falta de gentileza, quando na verdade o não é apenas uma resposta, tão cabível quanto o sim. Desde que seja dito com sinceridade e respeito, a gentileza é absolutamente coerente com a palavra não. Basta que sejamos honestos, que respeitemos os nossos limites e que aprendamos, sem culpa, a nos dar o direito de escolher o que queremos. A propósito, vale aqui um questionamento: será que a nossa dificuldade em dizer não, não seria porque, na verdade temos também dificuldade em ouvir um não do outro?
Ser gentil é extremamente benéfico, pois a gentileza abre portas, muda o rumo dos conflitos, facilita negociações, transforma os humores, melhora as relações, enfim, propicia inúmeras vantagens tanto na vida de quem é gentil quanto na de quem se permite receber gentilezas. No ambiente de trabalho, por exemplo, é fato que as empresas têm preferido, cada vez mais, profissionais dispostos a solucionar problemas e a favorecer as conciliações. Afinal de contas, competência técnica é oferecida em universidades de todo o país, mas habilidades humanas como a gentileza são características raras e muito requisitadas no mundo profissional de hoje.