Por:Julio Machado
Podcast
ago 2016
Vamos aqui procurar uma saída para o jogo da culpa que permeia as relações humanas, principalmente com as pessoas mais chegadas a nós. É um jogo às vezes sutil, mas muitas vezes escancarado, onde a gente, desde pequeno, é treinado a ver a culpa no outro. Desde criancinha, quando a mãe chega em casa e vê alguma coisa mal feita e pergunta: quem foi? A cena a seguir já é esperada… cada um apontando para o outro dizendo: foi ele mãe, a culpa é dele. E isso nós fazemos com um objetivo muito nobre e do qual não temos consciência: garantir a nossa inocência.
Alguém poderia perguntar: “culpar o outro então é uma forma de nos inocentarmos?” Diríamos que sim… por exclusão. Se encontrarmos um culpado de um lado, entendemos que teremos, por conseqüência, um inocente do outro lado.
Precisamos entender que todo esse jogo da culpa é muito bem intencionado: queremos, a todo custo, preservar a nossa inocência original de Filhos de Deus. Só que ao invés de defender essa inocência de um jeito que possa favorecer a todos, caímos em um jogo de buscar o nosso favorecimento em detrimento do outro.
Um dia desses, ajudava um senhor mais velho que havia cortado o pneu do seu carro ao batê-lo contra o meio fio. Ele me confessou que havia bebido um pouco além da conta num almoço na casa da sua cunhada e por isso deu uma cochilada no volante. Olhando para a sua mulher ao lado ele disse que a culpa do acidente foi dela que insistiu para que eles almoçassem fora de casa, contra a sua vontade.
Culpa, culpas e mais culpas. Vivemos num mar de culpas donde surgem tantos conflitos e inimizades, tanta depressão e suicídios, além de uma enorme quantidade de doenças, tanto físicas quanto mentais. Precisamos então virar este jogo. Como?
A saída é pelo outro lado. Ao invés de fazer o jogo da culpa, vamos tentar jogar o jogo da inocência. Ao invés de buscar culpados para garantir que somos inocentes, vamos agora combinar que cada um se esforçará, ao máximo, para inocentar o outro. Ser inocente não significa ser perfeito, mas que, simplesmente, não há culpa.
Mas aí vem o ego que necessita do jogo da culpa para sobreviver e nos diz, pegando pesado: se a pessoa errou ela tem que ser culpada e punida. É uma questão de justiça. Até Deus nos julgará, pelos nossos erros, no juízo final.
Uma peça de teatro que retrata de maneira bem humorada e verdadeira esta questão do julgamento final é O auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Depois de muitas mentiras, traições, falcatruas e assassinatos, lá estão homens e mulheres na sala do juízo final. Jesus, sentado num trono, está ali ouvindo as justificativas de cada um para os seus pecados. Mas as acusações do diabo são impiedosas e convincentes. Cada um deles vai baixando a cabeça e ficando envergonhados à medida que as revelações, devidamente anotadas pelo capeta, vão sendo expostas de um modo devastador. A prevalecer estes argumentos, ninguém escapará da condenação final. Até que João Grilo, o mais espirituoso, com um pé já na porta do inferno lança um apelo: Eu quero apelar para Nossa Senhora Compadecida! Aí aparece a Mãe Divina que irá interceder por todos eles.
Nessa história, o diabo tem todos os motivos para culpar enquanto ela tem o dobro de razões para inocentar cada um deles. E o primeiro a ser inocentado é o cangaceiro. Enquanto o diabo apontava os inúmeros assassinatos cometidos por ele, a Compadecida lembrava da sua infância sofrida quando, inclusive, presenciou a morte brutal do seu pai e da sua mãe. Ela se compadece de cada um deles, admitindo que eles erraram, mas que merecem compaixão.
No meu ponto de vista, naquela cena, a Mãe Divina personifica o caráter misericordioso de Deus, que normalmente imaginamos na figura masculina de um Pai. Exatamente como Jesus quis nos ensinar sobre a compaixão divina ao nos contar a parábola do filho pródigo, onde o filho sai de casa e se estrepa na vida, mas quando volta é acolhido incondicionalmente no abraço amoroso do seu pai, que nem quer ouvir as suas explicações.
Se examinarmos com honestidade os nossos julgamentos, veremos que o ato de culpar ou de inocentar alguém, depende apenas da nossa motivação.
Aqui me lembro de uma prece indígena, que diz assim : “Deixe-me seguir as pegadas do meu inimigo por três semanas, carregar o mesmo fardo e passar pelas mesmas provações que ele, antes de dizer uma só palavra de desaprovação.”
É nesse sentido que eu quero convidar a mim, em primeiro lugar e a cada um que me ouve, a examinar quantas vezes nós poderíamos desculpar ao invés de culpar. Eu diria que para cada 100 motivos para culpar, nós teríamos 101 para desculpar. Afinal, como diz a canção…o que dá pra rir dá pra chorar, questão só de peso e medida