Por:Julio Machado
Podcast
jul 2022
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O que é aquele algo misterioso, que estamos sempre buscando, mas que, de alguma maneira, nunca encontramos? Será felicidade?
O que nos traria permanente felicidade e que não fosse vulnerável à perda, destruição ou mudança? Seria dinheiro? Relacionamentos e romance? Filhos? Família? Amigos? Carreira? Status? Fama? Reconhecimento?
Tudo isso, mesmo gratificante, também consegue nos causar dor e sofrimento; mesmo assim cegamente os perseguimos em nossa busca de felicidade duradoura.
O que vem a ser esse algo enganador que, desesperadamente, buscamos, sem jamais encontrar? O que é esse vazio, que ainda consegue ser sentido, até mesmo após a conquista de uma meta? O que essa assombrada sensação de incompletude tenta nos dizer?
Isso está em todos nós, todo o tempo; entretanto, nos mantemos tão distraídos, tão ocupados pela vida que, dificilmente, nos atrevemos a parar e ouvir esse chamado interior. Infelizmente só nos decidimos a confrontar com esse chamado, quando nos vemos diante de extrema dor ou sofrimento. A crise tende a nos fazer parar para questionar a vida e o seu significado.
O que estou verdadeiramente buscando? Qual é o meu desejo mais profundo?
Poderíamos nos comparar a um regato que tem sede da imensidão do mar e que, através de seu curso, ziguezagueia até encontrar o oceano. A espiritualidade, que busca compreender quem somos, tem o objetivo de saciar esse nosso desejo de inteireza, de completude.
Uma das mais belas passagens bíblicas que procura elucidar essas questões existenciais é a conversa de Jesus com a samaritana. A mulher samaritana que encontra o Cristo à beira de um poço, representa a mulher que tem sede, esta mulher de desejo. Ela é o símbolo do humano em sua busca do paraíso, da alma que quer encontrar o que pode verdadeiramente apaziguar seu desejo. O caminho que ela percorreu é também nosso caminho. Quando a samaritana se inclina sobre o poço, o poço sem fundo de seu desejo, ela pensa que a água material poderá apaziguá-la. Pergunta a Jesus como tirar aquela água com mais facilidade e ele lhe responde: “Aquele que bebe desta água terá sede novamente!
O mesmo acontece conosco quando procuramos preencher o nosso desejo com coisas materiais. Quanto mais temos mais queremos. Nossa sede é aliviada por um momento e depois volta. “Aquele que bebe desta água ainda terá sede.”
Se procurarmos a paz do nosso desejo em um relacionamento amoroso, não a encontraremos. Se procurarmos a paz do nosso desejo em uma carreira profissional, em uma causa social, em uma prática religiosa, também não a encontraremos.
A conversa de Jesus com a mulher vai se aprofundando e pouco a pouco ele passa a falar não dos objetos de desejo, mas do sujeito do desejo. A verdade não é algo que possuímos, mas é uma realidade que somos. É necessário passar constantemente da verdade que temos para a verdade que somos. Se estivermos vigilantes nesta escuta do Espírito, nos reuniremos à sua Fonte, à própria fonte da consciência.
A realidade que pode pacificar seu desejo não é para amanhã. É para hoje. É para agora. É o Eu Sou que está no seu âmago, é o Eu Sou que é a fonte de sua consciência. Neste momento, a samaritana abandona seu cântaro, este cântaro que simboliza o conhecimento adquirido, cheio de água buscada no exterior. A partir de agora ela descobriu dentro de si mesma a fonte de água viva. Ela descobriu a divindade dentro dela mesma. Penso que esse seja o verdadeiro sentido do natal.
Existe dentro de nós um desejo infinito que só o infinito pode preencher. E nosso drama é que pedimos às coisas finitas que preencham este desejo infinito. Pedimos a um homem, a uma mulher, o infinito-amor e isso é muito para a finitude deles. Pedimos a uma religião a infinita-verdade e isso é demais para uma religião. Porque as religiões são finitas, elas se transformam, elas passam. Só podemos pedir infinito ao infinito e não a um finito exterior. Por isso não temos outro caminho que não seja nos voltarmos um pouquinho para dentro de nós. Se aprendermos a fazer um pequeno silêncio na tagarelice da nossa mente, aí poderemos escutar o Espírito Sagrado que vive em nós.
O caminho que a samaritana seguiu, o ensinamento que lhe deu o Mestre, é o de ser livre em relação a seu desejo. O desejo não é mau, ele é a própria fonte de vida. O que o torna problemático é pensar que ele pode ser preenchido por objetos. Quando o desejo do nosso ser se conectar com a Totalidade, aí sim, ele poderá conhecer a paz. E isso nos permitirá apreciar cada coisa que existe na nossa vida, sem darmos a elas um peso maior do que elas na verdade têm.