Por:Julio Machado
Podcast
ago 2016
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O que vale mais: o conteúdo ou a forma, a moldura ou o retrato que ela contém?
José Saramago, ilustre escritor português, afirmava numa entrevista, com certa dose de consternação, que vivemos hoje num mundo audiovisual, onde a moldura passa a valer mais do que o retrato. Entenda-se por moldura todas as nossas maquiagens, grifes, títulos e marcas, entre tantos teres, que passam agora a conferir mais valor a quem os possui. Aqui até o sobrenome, se for mais difícil de pronunciar por ter Ws, dois Ls ou dois Ts dão à pessoa ares de maior importância do que um simples Silva ou Machado. O que vale mais, o conteúdo ou a forma, a moldura ou o retrato que ela contém?
Lembro-me de uma mãe contar que no seu aniversário recebeu vários presentes dos seu familiares. Entre esses presentes estava até um computador que alguns filhos fizeram uma vaquinha para poder comprá-lo. Ganhou também algumas joias, mas o presente que mais mexeu com ela foi um simples cartão que recebeu de um dos seus genros.
Este cartão não tinha nenhum valor material, pois nem era comprado. Dava para perceber que fora confeccionado pelo próprio genro que recortou um pedaço de cartolina e nela colocou uns raminhos de flores secas e escreveu de próprio punho um agradecimento muito poético e emocionante dizendo o que a sua sogra representava para ele. Quando ela viu a originalidade do cartão e leu o que estava escrito, os seus olhos se encheram de lágrimas e, num impulso, deu-lhe um caloroso abraço e imediatamente guardou o cartão por dentro do seu sutiã, bem próximo ao peito, para não correr o risco de ficar sem ele nem por um instante. Imagino que para essa mulher aquele cartão, o presente mais barato, era o que tinha mais valor.
Sem querer desprezar os outros presentes, que também tem o seu mérito, este cartão tem algo único e precioso: um maior grau de atenção, de cuidado, de humanidade. Isto, meus amigos, é um outro paradigma, tão carente nos dias de hoje, onde a nossa falta de tempo e até a concorrência por quem dá um presente mais caro e vistoso, faz com que o sentimento e os gestos simples sejam jogados para escanteio. É o paradigma da quantidade e da aparência em detrimento do paradigma da simplicidade e do conteúdo.