Por:Julio Machado
Podcast
fev 2018
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Quero começar a nossa reflexão de hoje com uma intrigante história. Em 1957, na Tailândia, estava sendo realizada a mudança de um mosteiro e um grupo de monges ficou encarregado de transportar um gigantesco Buda feito de argila. No meio da mudança, um dos monges percebeu uma rachadura na imagem. Com a preocupação de não danificá-la os monges decidiram esperar mais um dia antes de continuar a tarefa. Quando a noite caiu, o monge foi verificar a estátua danificada. Percorreu o Buda inteiro com a luz da lanterna. Quando encontrou a rachadura, notou algo que refletia a luz de volta pra ele. O monge, curioso, arrumou um martelo e um cinzel e começou a tirar lascas do Buda de argila. À medida que ia retirando os pedaços, o Buda se tornava cada vez mais brilhante. Depois de horas de trabalho, o religioso olhou para cima, extasiado, e viu-se diante de um Buda enorme de ouro maciço.
Muitos historiadores acreditam que o Buda foi coberto de argila pelos monges tailandeses havia centenas de anos, antes de um ataque do exército birmanês. Eles cobriram o Buda para evitar que ele fosse roubado. No ataque, todos os monges foram mortos; assim, só em 1957, quando estavam transportando a enorme estátua para outro lugar, é que os encarregados da mudança descobriram o tesouro.
O que você acha que os monges pensaram a respeito da argila que encobrira o Buda de ouro por tantos anos? Uma coisa boa ou uma desgraça?
O que esta fantástica história tem a ver com a gente?
Como a estátua do Buda, em algumas ocasiões da nossa vida, principalmente na infância, tivemos a necessidade de formar algumas capas (na forma de medos e resistências) a fim de nos proteger contra as agressões do mundo à nossa volta. Assim sendo, o nosso ser brilhante ficou escondido lá dentro. Inconscientemente, escondemos nosso interior dourado sob algumas carapaças: de timidez, de insegurança, de arrogância, de superioridade, de pessimismo etc. Só que da mesma forma que a argila não é mais necessária, atualmente, para encobrir o Buda, muitas dessas capas que nos recobrem também já não tem nenhuma utilidade, mas continuaram ali até serem retiradas. Tudo o que precisamos fazer para descobrir esse ouro precioso é ter a coragem de retirar as camadas que recobrem nosso exterior, pedaço por pedaço.
Uma das dificuldades que criamos na hora de desencapar o nosso Buda é que olhamos para estas camadas de argila com uma certa raiva e desprezo. Odiamos a nossa carapaça.
Que tal olharmos para cada um dos nossos medos, inseguranças e bloqueios que adquirimos ao longo da vida com um olhar diferente? Um olhar de amor e reverência.
Creio que este tenha sido o olhar daquele monge à medida em que tirava a camada de argila que encobria o Buda. Graças a esta capa protetora eles tinham agora um precioso Buda intacto. Só que agora, como não existe mais nenhuma ameaça querendo destruí-la, eles poderiam retirá-la. Ou melhor, devem retirá-la para revelar a beleza que existe no interior.
À medida em que formos abençoando cada um desses nossos bloqueios descobriremos que essas crostas de argila nos protegeram muito mais do que imaginamos. Precisamos das carapaças por diversos motivos, e para cada um de nós as razões são diferentes. Mesmo que o nosso objetivo final seja deixar cair nossas máscaras, necessitamos, antes, entendê-las e fazer as pazes com elas. Você acha que, depois que os monges retiraram a crosta de argila do Buda Dourado, eles disseram: “Odiamos aquela carapaça horrenda?” Não, certamente eles abençoaram cada pedacinho de argila que encobrira o seu precioso Buda.
Toda pessoa nasce com um sistema emocional saudável. Ao nascer, nos amamos e nos aceitamos, sem fazer julgamentos sobre quais são as nossas partes boas e quais as ruins. Ocupamos a integridade do nosso ser, vivendo o momento e expressando livremente o nosso eu. À medida que crescemos, começamos a aprender com as pessoas à nossa volta. Elas nos dizem como agir, quando comer, quando dormir, e começamos a fazer distinções. Aprendemos quais são os comportamentos que nos garantem aceitação e quais os que provocam rejeição. Aprendemos quais são as características aceitáveis em nosso meio e as que não são aceitáveis. Só que esse aprendizado nos desvia da possibilidade de viver cada faceta do nosso ser e impede que nos expressemos livremente.
Precisamos compreender que o amor e o ódio, a tolerância e a raiva, o desapego e a ganância e mais um tanto de características humanas são compostas de dois lados. Tudo tem o seu oposto e o que mais precisamos aprender é a aceitá-las e integrá-las dentro de nós e não a separá-las em um lado certo e o outro errado, como nos ensinaram.