Por:Julio Machado
Podcast
fev 2022
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Vamos hoje dar mais um passo nessa série de podcasts sobre educação de filhos. Você já imaginou que poderia fazer parte da educação dos nossos filhos prepará-los também para falhar e não apenas para vencer?
Aliás, não foi um pouco dessa competência em saber lidar com o fato de perder que faltou à seleção brasileira de futebol na partida com a Holanda no mundial na África do Sul? Quem se prepara apenas para vencer desenvolve, na verdade, uma grande ansiedade e uma inabilidade para aceitar e superar os percalços da vida.
O psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun, um estudioso das relações familiares, diz que aprender a lidar com o insucesso é fundamental para livrar-se de apuros na vida adulta.
A valer esse pensamento, ser educado numa família harmônica e que procura atender a todas as necessidades dos filhos, pode não ajudar a formar pessoas adultas capazes de lidar bem com os sofrimentos e as frustrações inerentes à condição humana.
Neste caso, o melhor ambiente familiar é aquele onde os pais ajudam seus filhos a se tornarem pessoas autônomas e com capacidade para conquistar os seus sonhos. Passar para eles a impressão de que eles não precisam lutar e que sempre irão contar com a ajuda dos outros para suprir as suas necessidades… é a melhor receita para formar adultos com autoestima baixa e com um sentimento de vazio interior.
O pior sentimento que os pais poderiam incutir nos seus filhos é o de que, apenas por ser seu filho ou filha, eles merecem a sua herança e a garantia de que nada lhes faltará. Dar as coisas por merecimento genético é também dar aos filhos um atestado de impotência.
O melhor legado que os pais podem deixar para seus filhos não são os bens materiais ou uma vaga na empresa familiar, mas sim um sentimento de valor e de poder pessoal; um sentimento de que eles valem por ser eles mesmos; um sentimento de que eles são capazes de criar, de produzir e de construir a sua própria vida com independência e liberdade de escolha. Liberdade, inclusive, para viver de forma modesta e com poucos recursos, se esta for a realidade que ele ou ela conseguiram construir, por um certo tempo.
Nos últimos trinta anos, o modelo tradicional de família vem passando por alterações significativas, principalmente no mundo ocidental. A ideia dos pais como senhores do destino dos filhos vem desabando progressivamente, no ritmo das transformações sociais. As consequências disso não são necessariamente ruins, pois acaba criando nos filhos uma motivação para que eles se virem por conta própria, pois já perceberam que não vão ganhar nada de mão beijada. E caso venham a ganhar alguma coisa, agem de maneira como quem não contasse com isso.
Atualmente muitos pais, incluindo famílias de grandes posses, já desenvolveram a convicção de que é muito importante na educação de um jovem permitir que ele também fracasse; que assuma responsabilidades por suas falhas; que aprenda a desenvolver um senso de realidade controlando seus gastos, por exemplo, pois, mesmo que os pais tenham dinheiro, isso não significa que eles irão ficar tapando seus rombos e quitando suas dívidas, impunimente. Então, se gastar além da conta, vai ficar no prejuízo. Isso é preparar para a vida.
É preciso ensinar os filhos também a lidar com frustrações. Uma coisa certa na vida é que as crianças vão falhar, não há como ser diferente. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, ganhar, vencer, massacram os filhos. Como se diz, errar é humano. E digo mais, errar nos humaniza. Todo mundo, em algum momento, vai passar por isso. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo.
Às vezes é preciso lembrar coisas muito simples que as pessoas parecem ter esquecido completamente. Os pais sabem que as crianças não ficarão com eles a vida inteira, que não vão conseguir tudo o que sonharam e que vão estabelecer ligações sociais e afetivas que, por vezes, lhes farão mal. Mas os pais tentam agir como se não soubessem disso. Hoje os filhos se tornaram um indicador do sucesso dos pais. Isso é perigoso, porque cada um tem a sua vida. Não é justo que, além de carregarem o peso das próprias dificuldades, os filhos agora também tenham que suportar a angústia, caso falhem em relação à expectativa familiar depositada sobre eles.
Como já dissemos no podcast 52, o sentimento de culpa dos pais em relação a seus filhos tem crescido muito nos últimos tempos. Isso faz com que os pais se tornem reféns dos filhos e estes passem a ser uns eternos coitadinhos. Um terreno fértil para se sentirem vítimas de tudo e de todos.
Por exemplo, há algumas décadas atrás quando um professor dava uma nota baixa era o aluno que tinha de dar satisfações aos pais perante o professor. Hoje em dia acontece uma completa inversão. O mais provável é que os pais vão aparecer na escola no dia seguinte para reclamar com o professor de ter agido injustamente com o seu filhinho. Podemos citar outro exemplo. Desde sempre, quando se levam os filhos pela primeira vez à escola, eles é que choram. Hoje em dia, normalmente são os pais que choram. A cena é comum. É como se esses pais se colocassem no mesmo plano que as crianças, sem uma ascendência sobre elas.
É recomendado que os pais dialoguem mais com seus filhos e que negociem aquilo que antigamente eram ordens definitivas. Mas é bom deixar claro que, depois de negociar, discutir, trocar ideias, quem decide são os pais, pelo menos enquanto seus filhos são ainda menores.
Um outro exemplo. Manter uma criança em satisfação permanente, com sua chupeta na boca o tempo todo, fazendo por ela tudo o que ela pede, é péssimo para a sua formação, pois a impede de ser confrontada com a perda da satisfação completa. Ou seja, o processo de humanização começa pelo entendimento de que jamais haverá a satisfação completa. É esse o curso saudável das coisas. Se os pais boicotam esse processo, podem estar cometendo um erro. Filhos que não aprendem a lidar com perdas podem ser tornar adultos mimados e prepotentes.
As consequências dessa educação deformada são bem visíveis, fazendo com que os jovens estejam cada vez menos preparados para lidar com o sofrimento da nossa condição humana. Aqui abre-se uma porta larga para o aparecimento das drogas. Sabemos que as drogas têm algo de paraíso artificial, ou seja, uma forma antiga de se refugiar da dor humana e da insatisfação pessoal. As drogas sempre serviram para evitar o confronto com esse sofrimento. Quanto menos você está preparado a suportar as dificuldades, mais está inclinado a se alienar, a recorrer a substâncias, sejam as drogas ilícitas, sejam as medicamentosas, para limitar o sofrimento que vai se apresentar. Com a farmacologia moderna, essas substâncias se tornaram muito acessíveis. Isso pode criar sérias distorções. Por exemplo, é muito mais simples tomar uma Ritalina para não ser hiperativo do que fazer todo um trabalho de aprender a suportar a condição humana. Quando criança, a pessoa já precisa ser confrontada com a condição humana da perda de satisfação. Dessa maneira, na idade adulta, sua relação com o fim de uma paixão amorosa, entre outras coisas, teria maiores chances de ocorrer de maneira mais aceitável e menos traumática.